As três tarefas do militante estudantil
Vamos começar pelo começo: um
CA (Centro Acadêmico) não é um sindicato e não é um partido: é
uma organização específica da militância estudantil. Na verdade,
pode-se argumentar que um CA é a forma institucionalizada de
organização dos estudantes e da luta do movimento estudantil (e
portanto é por definição plural: contém todas as contradições
do movimento estudantil, além de suas próprias, e seus militantes
são dos mais diversos nominalismos políticos: sejam anarquistas,
comunistas, social-democratas, liberais, etc., partidários ou não)
de um curso de graduação, e, por isso, tem formas e tarefas
diferentes daquelas dos partidos e sindicatos; a mais importante
dessas diferenças sendo seus participantes. Logo de cara podemos
fazer uma clara divisão entre aqueles que podemos chamar de
militantes ativos e aqueles que podemos chamar de não-militantes,
por falta de nome melhor: os primeiros, por razão ou outra, dedicam
tempo razoável às questões estudantis; os segundos, geralmente não
o fazem por que o Capital lhes rouba o tempo. Além disso, e a
principal diferença dessa forma de militância é a questão da
perenidade dos seus militantes: o tempo de atividade está atrelado
diretamente à permanência na universidade dos militantes. Isso
implica, é claro, que dos poucos geralmente ativos, menos ainda
ficarão mais do que 5 anos ocupando este espaço. É importante
notar porém que isso não torna a militância estudantil tarefa
pormenorizada, ou mesmo tida apenas como espécie de ‘escola’ ou
tempo de aprendizado: para isso basta notar a importância que
movimentos estudantis tiveram ao longo da história, independente de
suas finalidades; apenas demonstra um caráter único da militância
estudantil de maneira geral, refletido na organização de um
CA.
Tendo em vista essa característica única de seus
militantes, podemos tirar daí a noção ética que será pano de
fundo para as principais tarefas de um militante empenhado com a
transformação social do espaço universitário: uma
responsabilidade geracional, que, existente em outras formas de
militância, parece aparecer de maneira mais visível na vida
universitária. Essa responsabilidade geracional se trata justamente
de entender que o espaço contraditório da universidade sendo
construído já foi ocupado por alguém antes, e será também
ocupado por outro alguém num futuro próximo. Assim, a primeira
tarefa de um militante empenhado deve ser a formação de novos
militantes, não apenas de maneira a manter o número de quadros
ativos, mas também para transmitir a história viva do espaço e
seus militantes anteriores, porque é nesta que está contida toda a
teoria e toda a práxis de luta política do espaço, que deve ser
retomada, rediscutida e aprimorada pelas próximas gerações
(suprassumida, se assim preferem). É claro que essa formação pode
ocorrer de várias formas, desde cursos, palestras, até através da
própria vivência do espaço, não é minha intenção me debruçar
sobre isso aqui.
A segunda tarefa, também importantíssima, é a melhora da universidade em si, seja através da luta pelas pautas de permanência (afinal, quem pode dedicar tempo aos livros quando o Capital lhe rouba seu tempo como um vampiro esfomeado?), da luta pela mudança efetiva de normas de representação, etc. Claro, aqui deve ser feita a ressalva de que uma educação verdadeiramente emancipadora e desenvolvedora de toda a potencialidade humana só poderia ser feita, como sugere o título do livro do Mészáros, para além do Capital. Isso não implica porém que algumas mudanças pontuais não devam ser alvo para a militância estudantil, de maneira a garantir a permanência dos estudantes, não de maneira a cair num reformismo, buscando concertar uma estrutura cujas bases já nasceram comidas por cupins, mas justamente para cumprir com nossa responsabilidade geracional: são melhoras não para além do Capital, mas sobretudo para chegar além do Capital.
Por
fim, a última principal tarefa do militante empenhado é ser
combativo, classista, antirracista, feminista, a favor da luta
LGBTQIA+, indigenista e internacionalista. Essa por vezes parece a
ser a mais difícil das tarefas, porque pressupõe, antes de tudo,
que o indivíduo, além de suas responsabilidades individuais, tem
sobretudo uma responsabilidade com o todo social. Rejeitar as lutas
contra as opressões, lutas historicamente anticapitalistas, é
rejeitar novos militantes, rejeitar a responsabilidade geracional
inerente à ser um militante estudantil, e, portanto, é rejeitar a
continuidade desta como um todo.